quinta-feira, 28 de março de 2013

Alma Livre

Do Blog da Fernanda

Por muitas vezes acordava no meio da noite, me enrolava em um cobertor e sentava na varanda. Passava o resto da noite ali. Pensando no seu sorriso. E lembrava, quando cavalgando ela entrava pela porteira. Com os cabelos esvoaçantes, aqueles olhos brilhando. Empolgada vinha me contar dos animais da fazenda. Sentava no meu colo e me cobria de beijos. Beijos que me animavam, ate mesmo quando eu estava cansado, desanimado, era quase que um remédio. Só o sorriso dela já me deixava feliz.


Um dia, eu fiz uma surpresa para ela. Mandei montar um celeiro só para ela. Um lugar só dela, onde a égua branca ficaria, onde ela poderia ter seu consultório de veterinária, e seu canto para pintar seus quadros. E mandei talhar na madeira: ”Com amor, para meu grande amor”. Vendei os olhos dela. Ela muito curiosa, queria saber o que se passava. Estava nervosa, tremia, suava frio. Pegou em minha mão e apertou forte. Como se naquele momento eu fosse o mundo dela. Quando chegamos lá, eu tirei a venda. Ela ainda com os olhos fechados, abriu um olho de cada vez. Quando viu o celeiro. Ficou seria. Em silencio, uma lagrima escorreu do rosto dela. Para mim, parecia uma coisa tão simples, mas para ela, foi muito mais que isso. Naquele dia, pedi-a em casamento. E ela aceitou.

No mês seguinte nos casamos. Ela veio morar comigo na fazenda. Estava animada com a vida nova. Tinha muito clientes, era muito competente no que fazia. E eu me orgulhava muito dela. No fim do dia, antes de anoitecer, tínhamos nosso ritual. Sair a cavalgar pela fazenda, antes do chimarrão. Íamos ate a lagoa ver o por do sol. Dias assim, me lembram muito dela. Lembro-me da primeira vez que a vi. Ela veio socorrer meu cavalo Hércules, que estava muito doente. Era nova na área, não acreditei muito no seu potencial. Mas quando, ela chegou e olhei para ela. Meu coração disparou. Mal consegui falar. Ela muito profissional, tratou de examinar Hércules e medica-lo, duas semanas depois ele estava saudável de novo. Resolvi contrata-la, para trabalhar na minha fazendo, com os cavalos e os outros animais. Não demorou muito para que nos envolvêssemos. Tínhamos muitas coisas em comum, e outras nem tantas.

Depois de um ano de casados. Descobrimos que ela estava com câncer. Estava muito avançado e não existia tratamento, a não ser para prolongar a vida dela. Paguei os melhores medico e tratamentos possíveis. Praticamente, montei um hospital na fazenda. Ela não tinha condições de trabalhar, mas passava bastante tempo no ateliê. Pintando paisagens e cavalos. Era a sua segunda paixão. Ela já tinha perdido os cabelos, e estava muito magra e fraca. Carregava ela no colo. Como um bebe. Ela me abraçava, forte. O forte o quanto ela conseguisse. E mesmo fraca, ainda sentada em meu colo me enchia de beijos. E mesmo doente, ainda tinha aqueles olhos lindos brilhando em minha direção. Eu sabia que o tempo estava curto para nos. Não teríamos muito tempo. O que me consolava é que ela não sentia dor.


Muitas vezes depois que ela adormecia. Eu ia tomar banho. Muitas vezes chorei, ofendi Deus, cobrei dele, porque ela? Porque nós? Pedi  muitas vezes que eu ficasse no lugar dela. Vê-la sofrendo, me matava por dentro. Mas eu tinha que ser forte. Decidi, viver um dia de cada vez. Aproveitar cada momento. Cada dia era uma coisa para gente fazer. Levei-a pra fazer piqueniques na beira do lago. A levava para andar a cavalo. Passeávamos de barco no lago. Ela sempre com aquele sorriso lindo. Mas eu sabia, que estava tão assustada e apavorada quanto eu. Dizia, que ficava preocupada comigo, o que seria de mim, quem iria me cuidar. E eu sempre respondia, que ela ia me cuidar mesmo longe. Ela apenas sorria.

Depois dos passeios ela sempre ia para atelier. Ficava horas lá, sentada pintando. Escrevendo ou lendo. Era seu refugio. Certa noite, mandaram me chamar. Era uma noite, fria de inverno. Ela disse que queria ir no lago, ver as estrelas. Eu relutei no começo, sua saúde estava frágil, não podia ficar exposta assim. Mas depois de muito insistir, aceitei. Peguei um pelego, peguei lenha e fomos para lago. Acendi a fogueira, e sentamos ali. Ficamos muito tempo olhando as estrelas. Ela sorria muito. Lembramos de como nos conhecemos. Do casamento, da linda festa que foi. E por fim, ela me disse que se um dia ela voltasse como animal em outra vida, ela queria ser um cavalo. Eu olhei espantado e perguntei porque. Ela limitou-se a dizer que era porque mesmo que eles possuem um dono, são livres de qualquer forma. Dei um beijo nela. E ela como sempre muito carinhosa, me encheu de beijo. Foi a ultima vez que a beijei e a ultima vez que senti seu corpo quente perto de mim. Ela abraçada em mim, disse que me amava e quando fechou os olhos e me abraçou, e disse que a amava, suas forças se foram e eu a perdi pra sempre.

 Só voltei ao celeiro depois de uma semana. Quando entrei vi muitos quadros pintados. Textos que ela escreveu. Tinha uma carta endereçada a mim:

 Meu amor...

Te amo. Não existe palavras para descrever o quanto eu te amo. O quanto você me fez feliz. E tenha a certeza, que nosso amor não acaba aqui. Ele será eterno. E eu irei te esperar em outras vidas. Não, pare de viver. Não desista de ser feliz. Eu estarei sempre com você, dentro de você, no seu coração. Lembre de mim, mas não esqueça de você. E fique bem, porque eu estarei melhor agora, sem dor, sem sofrimento. Estarei com Deus, mas pedirei a ele, que te cuide e te guie também.

 Te amo com todas as forças do mundo, hoje e sempre.

 Cândida.

Chorei muito, lendo a carta. Ela sabia que estava se indo, quando pediu que fossemos para lagoa. Era a forma que queria se despedir de mim, de nós.

Depois de algum tempo você percebe, que tudo tem um porque. Ela só me trouxe luz e vida. Me ensinou o amor e sou grato a ela. Depois de dois anos, já fiz as pazes com Deus. Vi que ele não tem culpa de nada, que o nosso destino era esse. Que vivemos um linda historia de amor. Mas que teve um fim, ou talvez apenas uma virgula. Ainda, espero encontra-la um dia, em outra vida. As vezes mato a saudade dela, indo ate o atelier, lendo seus textos, vendo fotos e relendo a carta. Mas a forma que mais gosto de matar a saudades dela, é andando a cavalo. E lembrando que liberdade e amor sempre devem andar juntas. E eu sei que onde quer que ela esteja, meu amor esta com ela, para todo sempre.

Fernanda Saraiva

Fernanda Saraiva
Porto Alegre - RS - Brasil
http://sonhosdemeninamulher.spaceblog.com.br/

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