Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:
"Navegar é preciso; viver não é preciso".
Quero para mim o espírito desta frase,
transformada a forma para a casar com o que eu sou:
"Viver não é necessário; o que é necessário é criar".
Não conto gozar a minha vida;
nem em gozá-la penso.
Só quero torná-la grande,
ainda que para isso tenha
de ser o meu corpo
e a minha alma a lenha desse fogo.
Só quero torná-la de toda a humanidade;
ainda que para isso tenha de a perder como minha.
Cada vez mais assim penso.
Cada vez mais ponho na essência anímica do meu sangue
o propósito impessoal de engrandecer a pátria
e contribuir para a devolução da humanidade.
É a forma que em mim
tomou o misticismo da nossa raça.
Fernando Pessoa.
* Nota publicada pela primeira vez na primeira edição do volume Fernando Pessoa - Obra Poética, volume único. Cia. Aguilar Editora, 1965 (organização, introdução e notas de Maria Aliete Galhoz).
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