domingo, 15 de junho de 2014

Carta ao meu pai.


Do Blog da Fernanda
http://sonhosdemeninamulher.spaceblog.com.br/

- Estou grávida!
Foi essa frase que te assustou? Foi isso que fez acabar o amor que dizia sentir, em questão de segundos? São tantas perguntas que eu passei a minha vida toda fazendo. O porque de não me querer, de não me conhecer e de não me amar.

Quando cresci questionei minha mãe, o porque de não te-lo perto. O porque de você não estar nas fotos do meu nascimento, batizado, aniversários e o porque de meu avô ir nas comemorações de dia dos pais. Minha mãe apenas se limitava a dizer que quando eu fosse madura o suficiente ela me contaria tudo. E foi o que aconteceu... Uma semana antes de eu completar 15 anos ela me chamou no quarto para me dar um presente especial. 
- Mayara, venha cá! Quero te dar antecipado o teu presente de aniversário. 
- Mas já mamãe? Estou curiosa pra saber o que é? Mas achei que a minha festa já fosse meu presente! 
- Também é seu presente minha filha, mas esse especial que eu guardei durante anos, para que quando chegasse esse dia eu pudesse te presentear. Lembra quando você entrou na escola e começou a me questionar sobre seu pai? O que eu lhe dizia? 

Meu coração acelerou. Minhas mãos ficaram tremulas e geladas e meus olhos? Ah! Esses se encheram d’água. E com a voz embargada respondi: 
- Sempre me disse que quando chegasse a hora e eu ficasse madura me contaria a verdade. 
- Eis o dia! Mas lembre-se que eu só posso lhe contar o que os meus olhos viram, o que eu analisei depois e não posso responder sobre os sentimentos do seu pai e nem o porque de tudo. Apenas a minha versão. E se um dia você quiser saber a versão dele, terá todo direito de questiona-lo e pedir que lhe conte a versão dele. 
- Esta bem, mamãe. Depois eu penso nisso. Agora me conte. 

Mamãe também estava nervosa. Relembrar uma situação que foi dolorosa e voltar ao passado também não era fácil para ela. Pega uma grande caixa, decorada com muitos corações e um laço de fita vermelho e me entrega. 
 - Aqui esta teu presente! Abra! 

Peguei a caixa e abri. Dentro dela, algumas cartas. Fotografias dela e de meu pai. E outras tantas coisas. Uma rosa envelhecida pelo tempo. Li as cartas e confesso que chorei muito. As fotografias me transmitiam amor, carinho e ternura. Podia ver a felicidade em ambos. Fotos de uma viagem. Carta de amor de meu pai para minha mãe. Algumas dela, que ela escreveu quando estava grávida, que ela nunca entregou. Depois que eu li todas minhas mãe já chorando me contou: 
- Ai esta uma parte de minha historia com o seu pai. O amor que vivemos. Tudo que passamos para que ficássemos juntos. Foram alguns anos, de felicidade, de tristezas, de brigas e de ciúmes. De pessoas incluídas e excluídas. Tudo ai. 
- Porque ele te deixou, se dizia te amar? 
- Minha filha, ate algum tempo atrás eu tentei entender. Chorei muito no começo, me condenei e culpei-o por isso tudo. Mas depois acalmei meu coração, quando pedi a Deus uma luz, que ele me mostrasse e me orientasse pra que eu tivesse discernimento para gerar você e depois criar e educar você e seu irmão. Aos poucos de acordo com que eu ia acalmando meu coração e voltando a pensar no bem e a ter paz ele me mostrou o que tanto eu questionava. 
- E o que ele te mostrou? 
- Que eu era a única responsável por tudo que me acontece de ruim ou de bom. Que eu sou dona da minha vida e do meu livre arbítrio. E que jamais poderei culpar os outros pelos meus erros. O que eu sentia pelo seu pai, foi uma grande paixão. Eu fui capaz de perdoar tantas coisas em nome desse amor que eu dizia sentir. Tudo aconteceu por vaidade minha, por achar que podia mudar seu pai, que meu amor seria o suficiente para que ele ficasse comigo. 
- Mas não era amor mãe? 
- Não minha filha. Não era. Com o tempo eu percebi que amor de verdade não causa dor, raiva, ciúmes, dependência, apego e nem deslealdade. Amor é o contrario de tudo isso. Amor foi o que eu construir com o Fábio, seu padrasto. Ele é bom pra vocês, me ajudou quando você era pequena, cuidou de mim, quando fiquei doente. E de vocês também. Você quis chama-lo de pai, mas ele nunca aceitou, ate dizia que era seu pai e do Eduardo de coração, mas que vocês tinham pais. E eu o chamava de meu anjo, porque foi isso que ele foi. 
- Eu lembro quando você começou a namora-lo, eu era pequena. Mas nunca senti ciúmes dele com você, sei la. Talvez sejam coisas de outras vidas, afinidades espirituais. Sempre amei e respeite-o como pai. Mas você entende que eu queria conhecer meu pai. Saber por que ele nunca se preocupou comigo. Nunca quis conhecer meu rosto, saber qual o som da minha voz, e o que eu queria pro futuro, meus sonhos. 
- Claro que entendo meu amor. Por isso eu só te mostrei isso tudo hoje. Porque você esta prestes a fazer. 15 anos. E hoje passa um filme na minha cabeça. A dor que foi ficar sozinha. Não ter com quem compartilhar, quando você mexia, quando tinha soluço. Quando você nasceu, quando acordava no meio da noite, com cólicas ou apenas querendo brincar. Foi tudo difícil, mas se não fosse seu irmão, seus avós e suas madrinhas, eu não teria conseguido chegar ate o dia de hoje grata a tudo que fizeram por mim. 
- Eu sei. A dinda sempre me fala de algo assim, por parábolas, mas as vezes acho que ela tem raiva do meu pai, mas nunca falou mal dele para mim. Mas não sou boba eu entendo o que ela quer dizer. 
- Sua dinda me deu muita força. Alias todas elas e seus avós. Todos ainda guardam um pouco de magoa, mas bem sabe que isso depende apenas deles que não sintam isso. Já falamos sobre isso. 
- E você, perdoou meu pai? 
- Quem sou eu pra perdoar alguém? A magoa esteve muito tempo em meu peito. Mas era algo que eu pedia a Deus ajuda para que me tirassem. E você me deu tanta força pra superar as coisas que logo eu estava bem. Sabia e tinha consciência que precisava ficar bem pra que você fosse gerada no amor e na paz. Para que eu não transmitisse meus sentimentos para você, pra que você um dia tirasse as suas próprias conclusões sem meus sentimentos ou interferência, por isso te contei isso apenas agora. 
- Foi difícil? 
- Foi muito minha filha. Mas eu sempre com a minha fé, sabia que tudo daria certo. Eu tive apoio, você foi muito esperada e amada. Nunca te faltou isso. Eu apenas tinha receio por você, como você ia encarar isso tudo. Ainda mais quando entrou na escola. Mas eu confiei e olha só pra você? Uma moça linda. De personalidade forte e doce. Cheia de sonhos e de vontades, que estuda e se empenha pra aprender a evoluir não apenas o intelectual mas o no espiritual. Foi pensando nisso, que eu lutei por ti. Eu sabia no meu intimo que um dia tudo isso passaria. 
- E passou mãe? 
- Cheguei a conclusão minha filha, que eu precisava passar por tudo isso. 
- Porque mãe? 
- Você bem sabe, que se você não toma atitudes a vida toma por você. 
- Sei sim. 
- Pois é! Eu não tomava atitude alguma, apenas protelava, empurrava com a barriga e sonhava em vão que as coisas mudariam e não mudaram. Quando engravidei de você, eu percebi que o amor que sentia por você e por mim era maior que o amor que eu achava que sentia por ele. Eu precisava optar. Em ficar com ele por status de estar com ele. Ou encarar os olhares tortos, piedosos e preconceituosos da sociedade hipócrita. Eu optei em ser e te fazer feliz. Eu sabia que um preço por isso eu ia pagar. E paguei. Quer dizer achei que ia pagar. E você é a prova viva de que eu estava certa. Que minha escolha foi a acertada. 
- Mas porque ele nunca me procurou? 
- Logo no começo da gravidez, tivemos uma briga terrível. E eu disse a ele, que não queria saber dele mais como homem e que se ele quisesse saber de você que me procurasse, porque eu não iria atrás dele. E ele nunca mais apareceu. E sinceramente minha filha, agradeço a ele por isso. Só assim evolui, aprendi, fui a luta por ti e por teu irmão. Fiquei mais forte, mais decidida. E isso só foi possível com tudo que me aconteceu. Porque a vida me deu essa chacoalhada. 
- Entendo mãe. Admiro você por tudo que passou sozinha. E por nunca ter desistido de nós. Por nos ensinar com amor, com verdade tudo que nos ensinou. 
- Fiz por amor. E eu ainda tenho tanto a aprender e evoluir. Vocês dois também me ensinam muito. Você e teu irmão são minha vida. Agradeço a Deus o dia que me deu vocês dois. E eu passaria tudo de novo se fosse preciso pra ter os dois como meus filhos. E esse mérito, esse amor, ninguém tira de mim. Porque são pessoas de bem, quem vivem no bem, pensam no bem e querem o bem. 

Nós duas emocionadas nos abraçamos. Mamãe chorou muito. Acredito que tenha se passado um filme em sua cabeça. Eu peguei a caixa que agora pertencia a mim e fui para o meu quarto. Na janela que dava vista pro jardim florido pela primavera, o sol ainda alto. Sentei ali e comecei rever tudo. E foi quando decidi escrever essa carta a ti meu pai. Contando tudo isso, a forma a qual a minha mãe falou de ti. Sem raiva, sem rancor e sem ódio. 

Passaram-se alguns anos e ela conseguiu se reerguer. Mas me pergunto:
- E o senhor? Como esta hoje? Feliz com a vida que leva, com a família que talvez construiu? Com os filhos que tinha ou que teve? São perguntas que eu jamais saberei as respostas. Por muito tempo senti falta de alguém que eu nunca tive, amava alguém que eu nem sabia quem era, provavelmente tinha algo em mim ou em minha personalidade que lembravam você, mas eu nunca saberei. Hoje estou maior, com a tecnologia ai, localizaria o senhor em pouco tempo, mas sinceramente não quero. No meu aniversário de 15 anos, eu sonhava que o senhor apareceria para dançar a valsa. Mas nesse dia eu decidi que não queria mais. Que eu tinha meu irmão para dançar comigo, afinal foi ele que conversava comigo quando eu estava no ventre de minha mãe, foi ele que ajudou a cuidar de mim a noite, quando eu chorava de cólica. Tinha meu avô amado, que se deitava no chão pra brinca de cavalinho e era ele que nas festas do dia dos pais eu procurava ansiosa. Tinha meu padrasto, que pacienciosamente me ensinou a ler. Que me deu o primeiro livro. Tinha tantas pessoas as quais eu deveria agradecer e amar, que eu percebi que conhecer você era apenas uma curiosidade, uma fantasia que existia na minha cabeça. Eu achava que você me fazia falta, mas depois eu percebi era tão amada. E não sinto mais a necessidade de te conhecer e saber quem és. Pois tive muitos pais e os melhores que alguém podia ter. Hoje eu só espero meu pai, que o senhor esteja feliz nessa vida que escolheu. Que Deus sempre o proteja e o ilumine e saiba que mesmo sem conhecê-lo sempre rezei por ti. E farei isso ate o ultimo dia de minha vida e que não guardo rancor algum de ti. Só quero esquecer isso tudo. Irei guardar a caixa que ganhei de minha mãe, como recordação do meu passado e seguir daqui pra frente com o coração leve e em paz, que eu descobri o que eu queria saber e esse pouco já me basta. Aceito a sua partida mas não entendo. Hoje, não importa mais, pois eu sei, que a única pessoa que saiu perdendo nisso tudo, foi o senhor. Que perdeu a chance de conhecer sua filha. 
 Seja Feliz! Da sua filha Mayara!

Fernanda Saraiva
http://sonhosdemeninamulher.spaceblog.com.br/




Nenhum comentário:

Postar um comentário