segunda-feira, 10 de junho de 2013

Picadeiro da paz

Circo de Marcos Frota reúne até 200 crianças de comunidades diferentes, entre elas as do Fallet, onde acontecerá o 5º debate Rio, Cidade sem Fronteiras.

A cordenadora Lívea Mattos apresenta seus alunos e funcionários pouco depois de mais um ensaio Foto: Alexandre Brum / Agência O Dia

ANDRÉ BALOCCO

Rio - Terça-feira é um dia diferente no Fallet, comunidade onde acontecerá o 5º debate da série ‘Rio, Cidade sem Fronteiras’, nesta quarta. Por volta das 13h a van do projeto Unicirco encosta na sede da Associação de Moradores e recebe as crianças para mais uma viagem até a Quinta da Boavista. Quarenta minutos depois, começa a atividade mais aguardada pela criançada, que aproveita as oficinas oferecidas aos moradores: aulas de circo.

“Me sinto livre”, conta Carlos Augusto Rocha Filho, 11 anos, quatro irmãos e um sonho: voar “como um pássaro” no trapézio. O sonho do garoto é compartilhado no picadeiro por centenas de crianças de outras comunidades que, no passado, se chamavam de “alemão” — resquício da época em que diferentes facções disputavam o controle territorial das favelas.

“Além dos meninos da Fallet, temos crianças da Cidade de Deus, Mangueira, Barreira do Vasco, do Complexo do Alemão, Rocinha e do Turano”, conta Lívea Mattos, coordenadora do projeto que, a cada um dos cinco dias da semana, recebe até 50 crianças para aulas de malabarismo, trapézio, palhaço e quetais. “Aqueles que se destacam nós contratamos. Primeiro como aprendizes, depois como atores”. E contratam mesmo. Hoje, no Unicirco, 20 jovens do elenco fixo de 65 atores são oriundos do projeto social, sendo que 15 deles já estão trabalhando, sábados e domingos, em duas sessões: às 15h e 17h30. Como presente pela participação de suas crianças, o projeto distribui centenas de ingressos entre os moradores das comunidades onde eles vivem. O trabalho, no entanto, não se resume em elevar a auto-estima dos meninos e meninas. Há, também, toques de psicologia e, principalmente, assistência social, dado o elevado número de jovens que vivem em situações de risco por exposição à violência doméstica e más condições de vida. “Tenho um garoto aqui que dá muito trabalho para a vó dele. Temos que ficar em cima, dar disciplina, cobrar. Volta e meia ele quer ir embora sozinho para casa, mas não deixamos. Ele está melhorando”, emenda a coordenadora do projeto.

Do outro lado do picadeiro, Carlos Augusto não está nem aí. O que ele quer é cumprir passos até poder voltar ao trapézio. Por enquanto, o sentimento de ser livre para voar vem vagarosamente, nas aulas da arte que faz em solo. No dia em que a reportagem esteve na Quinta, o menino de 11 anos — também capoeirista e lutador de jiu-jítsu no Fallet —, fazia macaquices imitando o personagem da peça que mais gosta: o macaco Muriqui, protagonista do espetáculo Unicirco Rock Show, dirigido por Jorge Fernando, da TV Globo, e coordenado por Marcos Frota. Na peça, o índio Paya entra em cena com o macaco Muriqui até transformar em realidade seu sonho de ser palhaço. “Também gosto de andar na corda-bamba. Mas se der bobeira, você cai”, diz o garoto, mostrando que a arte imita a vida. Ou seria o contrário?

Estrela do trapézio, Wellington está há apenas dois anos no projeto
Enquanto Carlos Augustio sonha, Wellington da Costa, ‘revelado’ na favela Cavalo de Aço, Zona Oeste, prova, no trapézio, que é possível viver de circo. O jovem de 18 anos apareceu aos 16 na própria favela, na chamada de audição pedagógica, e agora já vê a vida ‘do alto’“Me encontrei aqui”, diz o rapaz, feliz por fazer parte do elenco fixo. “Treinava até 11 horas por dia”.

Maurício da Silva Correia, o Babodi, 21 anos, é outra prova de que o trabalho, financiado pela Petrobras, está dando frutos. Há sete anos no Unicirco, Babobi deixou de ser aluno para virar monitor. Calmamente, orienta a criançada, e as disciplina, ciente de que a identificação com os jovens, por também viver em comunidade, é que os incentiva. Babobi também esteve próximo de trocar os malabares pelas armas, mas resistiu. A razão? Simples assim: “Traficante não tem vida social. Eu posso ir ao ao shopping”. As crianças que aprendem com ele agradecem...

Fallet vai ter um núcleo do circo dentro da comunidade
O sucesso da iniciativa é tanta que o presidente da Associação dos Moradores da Fallet, Flávio Mazzaro, negocia para trazer o circo à comunidade. No feriado de Corpus Christi, a Unicirco fez uma audiência na quadra da Amavale que, apesar da chuva, reuniu cerca de 150 pessoas.

“E 50 crianças preencheram a ficha de inscrição”, conta Flávio, o Fafá. “Isso sem falar nas 20 que já estão no projeto, na Quinta da Boavista. Se trouxermos o circo para cá, vamos economizar no custo da van e poderemos integrar com outras atividades”.

Fafá fala, com orgulho, do trabalho que vem sendo feito na comunidade. E relembra que, no começo da atividade, apenas quatro crianças participavam. “Quem conhece sabe que criança é muito intensa e precisa estar motivada o tempo todo. Com o circo elas ganham mais uma alternativa, pois já fazem judô, capoeira e teatro”.

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